Em uma entrevista ao Roda Viva em julho de 2022, o escritor Valter Hugo Mãe afirmou que jamais escreveria se não fosse para o mudar o mundo. A frase ainda ecoa em mim, guardada em um espaço da mente que insiste em ressurgir ora como um lembrete, ora como uma cobrança — um ato ainda mais comum nas primeiras semanas do ano, quando estamos tão suscetíveis a refletir sobre os nossos propósitos. Por que eu escrevo? Por que crio o que eu crio?
Não considero minhas intenções tão nobres. Não escrevo para mudar o mundo, e meus motivos são, possivelmente, egocêntricos e pomposos. Quiçá faça bastante tempo que eu não queira mudar mundo algum, e outros mais em que eu tenha perdido a ilusão de que as minhas palavras deixam rastros de esperança por onde eu as jogo. Jogo, é claro. Todos os dias lanço essas letras que se abraçam e formam frases que, muitas vezes, não fazem sentido algum, e muito menos estão mudando qualquer coisa, mas eu, ainda assim, as jogo. Não para transformar nada, mas como um compromisso comigo mesma. Deve ser para isso que eu escrevo. Para encontrar a minha versão criança que criava apenas por criar, sem missão mirabolante. Escrevo para viajar pelo tempo: encontrar a mim e mandar mensagens na esperança de que, nesses processos de ir ao passado e futuro, alguém leia essa carta dentro da garrafa e se identifique. Crio para encontrar a mim, mas para encontrar também outrem.
Criar é um eterno processo de buscar por si. Para sermos quem somos, nós nos entregamos a essas outras versões — às que existiram, às que existirão, e às que tiveram que se desfazer no meio do caminho. Criar é voltar às origens, à infância; retirar as lentes mundanas que moldaram nossa visão de propósito, como se a arte existisse para outro fim que não a ela própria. Criar basta. E não se enganem: somos porque fomos. Somos hoje porque, um dia, nós fomos as crianças criadoras, fascinadas pela beleza do inventar. Criar é regressar a elas, portanto.
Não deixa de ser também um remendar de personalidades. Podemos não ter escolhido com afinco quem somos hoje, e estejamos nesse eterno equilibrar de pratos com tantas versões que nos são exigidas, mas seguimos criando. Mesmo atarefados com tanta rotina, desbravamos e abrimos caminhos, para encontrar a nós e aos outros. Criar é uma oração feita ao universo. E quando nos unimos com outras vozes, nos tornamos parte dessa corrente. Quem sabe isso não seja mudar o mundo?
Por motivos mais fortes, a newsletter desse fim de semana teve que sair no domingo, e não aos sábados, como ocorre usualmente. Uma loucura tentar equilibrar os pratos do início do ano, mas decidi que dentre todas as coisas que eu iria falhar já na primeira semana do ano, a newsletter não estaria nesse balaio. Atrasou, mas foi! E agora fiquei na curiosidade: por que você cria? quais são suas motivações? o que te faz criar o que você gosta ou quer criar? Que a força da criação esteja sempre com você nesse ano de 2024.
escrever para mudar o mundo, o nosso mundo, o interno.
Pode ter certeza que o seu compromisso consigo também transforma alguém. Amei ter cruzado com essas palavras! :)