Atenção: esse texto contém spoilers do filme NYAD (Netflix, 2023), que será sinalizado início e fim.
Próximo às fronteiras nebulosas do tempo, não me imagino com sessenta anos. Prevejo os quarenta, os cinquenta se eu forçar bastante, o mais tardar. Deve ser algo comum. Na adolescência, minha criatividade alcançava, no máximo, os trinta e, desde então, consigo projetar cada vez mais longe — sempre na expectativa de como vai estar minha vida até lá. Um sintoma dos ansiosos.
Me peguei pensando na minha velhice quando esbarrei com o filme NYAD (2023), disponível na Netflix. O longa conta a história da atleta Diana Nyad que, com mais de 60 anos, decide voltar a um sonho antigo: nadar de Cuba até Flórida. Uma travessia de mais de 160 km, que ela tentou uma vez antes, sem sucesso, antes dos trinta.
(Aviso de spoiler a partir daqui).
Mesmo já uma jovem adulta em 2013, quando Nyad completa o feito da vida dela, não lembro da história, muito menos de todo esse frenesí do impossível conquistado em veículos de comunicação. Não conhecia o caso, ou pelo menos, não lembro dele na tevê, internet ou jornais. Com o filme e, procurando os bastidores da história, descobri que a trajetória de Nyad até a Flórida é recheada de controvérsias que a impediram de ter o nome escrito no Guinness, por exemplo, como a única pessoa (até agora) a completar esse feito sem a ajuda de uma gaiola contra tubarões. Contestações como aceleração atípica durante parte do trajeto e um trecho de nove horas não filmado. Com tantas polêmicas, a diretora do filme Elizabeth Chai Vasarhelyi respondeu que a produção não é sobre o recorde, mas> “sobre uma mulher com mais de 60 anos de idade que percebeu que sua vida não tinha chegado ao fim, mesmo que o mundo tenha decidido que ela não existia mais”.
Isso me pegou.
(Fim do spoiler).
É nesse sentido que me senti tocada e emocionada com a história de Nyad, sendo verdadeira ou não, trapaceira ou não. Honestamente, eu não me importaria nem se ela tivesse subido em cima de dois golfinhos, um em cada pé, até a costa da Antártida, porque o filme não é sobre o resultado que ela alcançou — mas sobre o trajeto e sobree tudo o que faz uma mulher de 60 anos decidir tentar o impossível. Não uma. Nem duas. Nem três. E sobre alguém que tentou nessa idade um sonho que não conseguiu alcançar no auge da carreira, aos 28.
Longe de mim defender a produtividade capitalista ou dar uma de coach picareta ao dizer que as pessoas devem sim tentar o impossível, ou devem tentar fazer essa travessia aos 60 anos, arriscando as próprias vidas em sonhos malucos porque todo mundo é capaz. Eu, na verdade, sou uma grande ativista pela desistência. Mas, como eu disse, não é sobre o recorde. É sobre a esperança, e sobre tudo o que nos faz continuar a viver e sonhar, mesmo que nos digam que nosso tempo já passou.
Colocam nós, mulheres, nesses potes de expectativas de tempo. Como se nossa vida útil correspondesse ao tempo de maturação de nossos óvulos. Como se ela só valesse para algo no período entre a menarca e a menopausa. Nem antes, nem depois.
Quantas histórias de mulheres eu não conheço que chegaram a uma certa idade e desistiram de viver?
Nyad, o filme, não a mulher, aborda a não desistência de nós mesmos, ainda que os outros tenham desistido. Não se entregar ao que é imposto para nós como o fim da nossa vida útil. Diana decidiu encarar esse trajeto porque quis. E apenas o querer já é revolucionário.
O feito, obviamente, não reduz a vida dela a uma história que começa aos 60 anos. Não quer dizer que ela não tenha feito nada entre os 28 e 64, ou mesmo antes, quando era mais nova. Não quer dizer que sua vida não tenha sido boa, alegre, triste, cheia de raiva, cheia de trauma (um deles abordado no filme), cheia de tédio. Que ela não tenha tido amores, desgastes, sonhos realizados e alcançados, sonhos destruídos e noites tristes.
A vida aconteceu. Mas a mensagem do filme é que, enquanto estamos vivos, a vida não exige pretérito — ela não aconteceu, acontece. Aos dezesseis, aos vinte e oito, aos sessenta e quatro. Aos oitenta e dois. Nossas caminhadas são tortuosas e intermitentes, e trazem a lembrança de que não importa o que aconteça, nem nossa idade, ainda existe caminho enquanto esse caminho durar.
Esse filme me pegou muito. Comentei sobre ele também uns textos atrás. Como você, não me recordo dessa história na mídia brasileira. Com ou sem trapaça, um feito e tanto para uma sexagenária.
Reflexão linda demais, concordo com cada vírgula e ponto final 🥹❤️