Se eu pudesse chutar, diria que 98% dos internautas odeiam a cena em que a Rachel, de Friends, desce do avião e decide não ir à Paris para reatar com o Ross, em um capítulo cheio de fan service, depois de dez temporadas de idas e vindas.
Como espectadores, não vemos a cena — só ouvimos a mensagem de Rachel deixada na secretária eletrônica de Ross, em que ela, já no avião, a caminho de outro continente para uma vaga de emprego dos sonhos, toma a decisão de descer e ir ao encontro dele. É pela mensagem que acompanhamos os momentos seguintes de Rachel abrindo seu coração, descobrindo que ainda o ama, discutindo com a aeromoça (“Eu preciso sair do avião porque preciso dizer a uma pessoa que eu o amo!”), Ross gritando com o telefone pedindo para que a aeromoça a deixe sair, e o barulho final da ligação sendo encerrada. E então segue o maior fan service da história das séries, atrás apenas do Jon Snow ressuscitando, em que Ross começa a falar consigo mesmo: “Ela desceu do avião? Ela desceu do avião?”, e Rachel aparece logo atrás dele, entrando no apartamento. I got off the plane. Eles se beijam e vivem felizes para sempre — um final que, nós, mulheres do século 21, odiamos. É imperdoável o fato de Rachel abandonar a oportunidade dos sonhos por causa de um homem. Quem defenderia uma personagem abandonar a carreira por amor? Nos filmes atuais, isso não acontece (não é mesmo Lara Jean?). Eu mesma não sou uma romântica, e sempre torci por Paris.
Até pouco tempo, é claro.
Recentemente (e me deixe trazer outro ponto agora que, mais tarde, fará sentido), apareceu, para mim, um vídeo da atriz brasileira Valentina Herszage falando sobre a carreira e o apoio dos pais. Em um corte do vídeo de poucos segundos, ela contou como ouviu a vida inteira, enquanto fazia testes, para não criar expectativas. Fingir que não vai acontecer para não se frustrar. No vídeo, Valentina diz algo que me tocou profundamente: como a mãe dela sempre foi contrária a essa corrente, como defendeu que a filha criasse expectativas sim, porque, se não desse certo, ela ainda teria a família e os amigos, e lidaria com a frustração do que não aconteceu, ainda que sempre torcesse pelo melhor.
Recentemente, reassisti a cena em que Rachel desce do avião. Se ela fosse minha amiga, e vivêssemos em anos passados, eu mesma a teria pegado pelos ombros, e a arrastado de volta ao avião até que recuperasse a sanidade. Está louca?? eu diria. Mas, adultescer tem dessas de revisitar cenas, diálogos, sejam ficcionais ou não, de outros ângulos, apenas para atestar a complexidade da vida — vendo-nos mudar de lado na história. Adulta, deixei de ficar do lado de Paris. Estou do lado de Rachel. Afinal, se vivermos uma vida inteira sem estarmos dispostos a fazer loucuras por amor, faremos pelo quê? Apenas por dinheiro? Apenas por carreira?
Óbvio que dinheiro e carreira significam muito, Deus me livre me opor a isso. Mas são tudo? São os únicos motivos pelos quais deveríamos viver? Quando falo sobre amor, não cito apenas o romântico, entre duas pessoas que ficam juntas ou não, mas pelo contexto geral: amizades, família, seja qual estrutura for. Se acreditarmos que não vale a pena fazer loucuras e tomar decisões impulsivas por amor, vale pelo que?
Um sintoma pós pandêmico que tenho enxergado é que muitos entenderam que carreira ~~vejam só~~ não é tudo. É uma parte de nós, claro. Mas, não somos o que fazemos — somos parte de algo tão maior, que percorre outros desejos de nossas vidas. Almejar uma carreira brilhante é ótimo, recompensador, é poderoso, mas quantas partes de nós existem além disso? Se concentramos nossas aventuras apenas nessa área da vida, quantas outras não deixamos de viver?
Rachel teria sido mais feliz em Paris em um bom emprego, ou mais feliz morando com a filha e Ross em um apartamento em NY? Vai saber. Não há uma décima primeira temporada, nunca saberemos se foi a decisão certa ou não — é verdade, talvez ela tenha se arrependido, e separado seis meses depois, talvez tenha dado tudo errado.
Mas, talvez não.
Momento disclaimer: abandonar uma carreira inteira por amor, principalmente sendo uma mulher (ou ainda uma mulher preta, por exemplo) em uma sociedade patriarcal pode nos empurrar a situações de vulnerabilidade, dependência financeira e emocional. A discussão não é sobre abrir mão da vida pelo outro — mas sobre cometer loucuras por amor e, às vezes, estar disposto a tomar decisões incertas.
Quando Rachel escolhe descer do avião não é porque ama Ross acima da carreira e sonhos. Mas, por se amar o suficiente, e se conhecer o suficiente, a ponto de saber que, naquele momento, valia a pena o risco de ficar. Mais do que ir. Fazer loucuras é como jogar uma moeda para o alto, e torcer para que ela caia a nosso favor. Enquanto está no ar, nós só podemos torcer. E, para isso, é preciso coragem.
Então, torço para que você jogue essa moeda para o alto, de vez em quando. Torço também para que ela sempre caia a seu favor. Se não cair, espero que você tenha com quem contar para juntar os caquinhos — mas sem nunca deixar de acreditar.
Precisei tirar um período de férias da newsletter. Gastar toda a minha energia e criatividade para terminar de editar um romance, já pronto há muitos meses. Sim! Editar. Não mais reescrever. Nesse período que trabalho nesse romance, já foram três anos, três leituras críticas, sete versões, e senti que precisava de um arremate final antes de inscrevê-lo em alguns editais. A pressa pode parecer injustificável, afinal, não é como se eu tivesse editoras atrás do livro, mas quero deixá-lo pronto, para quando isso for possível. Foi uma jornada transformadora, mas agora, precisei editá-lo pela última vez para ter certeza que estaria com a mente livre para trabalhar em outros projetos, outras histórias.
É, inclusive, sobre isso que vim falar aqui. Coloquei no ar meu primeiro vídeo no YouTube falando um pouco sobre meus processos para escrever um romance. Tenho começado a pensar em outra história, e estou naquele momento de catar referências e aprender com outros escritores. A intenção não é, em hipótese alguma, ensinar a alguém como escrever um romance. É o contrário: é compartilhar o que eu tenho aprendido de outras pessoas, cursos, textos. Ainda não sei se o projeto YouTube vai vingar, mas queria compartilhar esses primeiros ensinamentos sobre personagens e outras coisas.
E vocês? O que estão escrevendo de bom por aí?
Depois de ter terminado o livro, parece que voltei ao meu eu normal. Posso ler livros e ver séries sem me sentir culpada por isso. Tenho lido, atualmente, dois livros: Saia da Frente do Meu Sol, do Felipe Charbel, e João Maria Matilde, da Marcela Dantés (ambos pela Autêntica Contemporânea). Tenho gostado muito dos dois! A literatura brasileira segue viva e muito bem, obrigada.
Para ouvir, vou indicar o podcast Palavra e Imagem, com Paula Jacob e Fabiane Secches, que tenho ouvido toda a vez que sai um novo episódio. Gosto tanto da discussão que mistura literatura e cinema (justamente, palavra e imagem). Meu preferido até agora foi quando elas discutiram o filme Anatomia de uma Queda.
E você já sabe: se gosta do que eu escrevo, compartilha ele com alguém? Espero vocês em quinze dias (voltamos à programação normal!!).
Uma coisa que sempre me pegou nessa cena é que, por mais que ela foi construída pra ser sobre o romance, não era apenas sobre isso. Rachel estava abandonando sua vida pra chegar na carreira dos sonhos, e isso com uma filha pequena. Ela iria abandonar toda a sua rede de apoio por conta de um trabalho em um país diferente, sem a certeza de que conseguiria ter qualidade de vida por lá. E a rede de apoio não é só sobre a filha, mas também sobre ela. Sobre uma vida mais coletiva e realizada com quem realmente te faz feliz, e não só romanticamente. Sobre a vida ser mais do que trabalho. Ficando, ela ainda teria a sua carreira e também a sua vida (sem precisar pensar em romance), e isso faz muito sentido pra mim. Pra gente, que foi ensinado que carreira é tudo, era melhor ter ido pra Paris. Mas cada vez mais vemos que não, que trabalho não é tudo. Viver é. Então por que não escolher a vivência que realmente te faz feliz ao invés da carreira? Gosto de pensar nessa cena por esse viés 😊
Deborah, acabei caindo na tua newsletter por esses caminhos da madrugada. Um story de um amigo, o seu perfil, a sua newsletter, o vídeo do novo canal. Legal que depois de um texto sobre se jogar e arriscar você compartilhe esse começo de canal. Gostei do vídeo e da discussão, também escrevo e tô com o livro do Assis Brasil pra ler há tempos. De um empurrão. Abraço!