A gente morre várias vezes ao longo da vida
uma astróloga, várias mortes, um encontro com o passado. quem nunca morreu?

Em diversos momentos da vida, jurei que fosse morrer. Não que eu escape à morte. Houve poucas ocasiões em que eu realmente corri risco — duas: quando me afoguei aos sete anos em um igarapé (mas meus pais perceberam a tempo); quando um assaltante me ameaçou com uma faca. A ansiedade, por outro lado, faz isso: cria sensações de medo e morte em territórios seguros, onde não há assaltantes ou igarapés.
Na consulta astrológica. Ano passado fiz meu mapa astral pela primeira vez. Discuti com a astróloga pontos como personalidade, comunicação, família, criatividade, saúde, amor e intimidade. Estava achando tudo interessante: a dinâmica dos planetas, as coincidências astrológicas, a expectativa de uma identidade especulada no momento do meu nascimento, quando Silvia, a astróloga, disse: você já morreu várias vezes nessa vida. Começa tudo de novo.
Anotei as palavras para guardá-las. Elucubrar depois. Entendê-las naquele momento seria como dar um significado simplista à mercê de um imediatismo sem sentido. Escrevi. Desde então, esse pensamento me atravessava e eu tentava encontrar justificativas. Já senti que iria morrer em inúmeras ocasiões, por causa da ansiedade como eu falei, mas ter morrido sem morrer é outra coisa.
Nunca morri, não que eu saiba. Essas experiências perto da morte em que as pessoas têm visões, histórias no além ou reencontram pessoas falecidas, encontram seus deuses, recebem conselhos, veem a luz. Nada disso. Nunca nem quebrei o pé. Ainda assim, a frase da Silvia me assombrava, exigia explicações que tentei maturar ao longo desse tempo. Busquei por vivências, fucei memórias, remexi meu passado como se estivesse em um baú e, depois de um tempo, esbarrei com as respostas — já morri mesmo, pensei, quem não?
Evoquei os abandonos que me fizeram morrer; que me forçaram a deixar algo para trás, transformar-me, matar emoções. Fugas em prol de uma sobrevivência. A gente morre quando um amor se vai, quando alguém nos abandona, quando fracassa em uma decisão, quando é traído, quando perde pai ou mãe, quando migra, quando um sonho morre junto, quando vira mãe, quando algo vira trauma, quando é obrigado a deixar ir, quando tem que ir, quando perde, quando deixa de sentir, quando para de se apaixonar. Mortes contínuas, um renascimento eterno. Se a gente não afrouxar a mão para deixar o que for ir, e não acelerar o passo em fuga, talvez não consigamos sobreviver. E para ressurgir depois da morte é preciso se desfazer primeiro. Como a carta da morte do tarô: mudanças significativas; fim e recomeço.
Conheço gente que morreu e nunca mais ressurgiu, mesmo que tenha sobrevivido. Quem desistiu em vida. Pergunto: quantas mortes antecipam a desistência? Para nós, que morremos, talvez só nos resta torcer pelo retorno. Não necessariamente como uma pessoa nova e feliz, como se feita do zero sem mágoas ou tramas, não acredito nisso, mas como alguém disposto a continuar vivendo.
Notas sobre essa edição
Mapa astral é um diagrama que mostra a posição dos planetas no momento em que nascemos e como isso vai ajudar a moldar nossa personalidade. Moldar, não definir. Fiz em uma época de muita mudança na minha vida e foi bom para me reencontrar com umas versões perdidas de mim mesma, sabe? Recomendo bastante mesmo para os céticos. Você não precisa crer em astrologia para se beneficiar do auto conhecimento de uma sessão de mapa astral. Eu adorei!
E me conta: você já fez um mapa astral? Tem curiosidade? Já sentiu que morreu alguma vez, mas renasceu, meio quebrado, mas ainda assim com vontade de viver? Vamos deixar esse canal aberto para conversar 💖
Pausa para divulgação…
🔹A última edição da
, a newsletter que tenho com outras três amigas com dicas culturais para quem está em Brasília, foi sobre As belezas do Lago Paranoá, assinado pela . Semana que vem o texto é sobre cinemas em Brasília.📽️ Gostei de assistir Mickey 17, o novo filme de ficção científica do Bong Joon-ho (diretor de Parasita), com o Robert Pattinson e Naomi Ackie (Pisque Duas Vezes). O filme fala sobre o Mickey, um ser humano descartável. O tempo é o futuro e a humanidade não vive mais na Terra. Dessa forma, o Mickey precisa morrer de diversas formas diferentes para ser estudado. O corpo dele é reimpresso com as memórias intactas. Claro que não tem nada a ver com morrer de forma simbólica, como eu abordo nessa newsletter, e sim de uma forma literal, mas, o filme tem várias camadas interessantes, e achei que seria uma boa indicação para essa edição.
do Substack…
🃏 Gosto muito dessa newsletter do Thiago e adorei o exercício que ele propôs nessa edição de começo de ano. Ainda vale a leitura (mesmo que já seja abril).
Quem escreve
Oi! Eu sou a Deborah, escritora, jornalista, roteirista, yogini, libriana y otras cositas más. Esse é um espaço que aborda literatura, arte, cinema, processo criativo, mas, principalmente crônicas com reflexões sobre o cotidiano e dúvidas sobre o universo. Em condições normais de temperatura e pressão, uma nova edição está disponível sempre aos domingos, às 9h, quizenalmente. Se você recebeu essa newsletter ou a encontrou por acaso e gostou do que eu escrevo, considere assinar de forma gratuita para receber as próximas edições. Isso me ajuda a chegar a mais pessoas. ✨
Se quiser ter ter contato com outros textos, sugiro esses:
Versões de nós: quem conhece nossas versões que não existem mais?
Mulheres relaxadas: nunca conheci uma.
Te encontro na próxima edição?
Ano retrasado a carta da morte apareceu várias vezes pra mim, sempre que fazia uma tirada (tenho uma amiga tarotista, um privilégio haha!). Foi um ano de muitas mortes no sentido que vc fala, Deborah, muita transformação. Acho incrível como o tarot e a astrologia fazem a gente refletir sobre aquilo que nos aflige.
fazer meu mapa astral mudou minha vida, juro! vale a pena demais. e amei sua reflexão sobre as pequenas mortes que temos ao longo da vida. é bem isso...